Renato Suttana (Nacido en 1966 en Barroso-MG, Brasil) es un profesor universitario.
Obra:
Uma poética do deslimite: o poema como imagem na obra de Manoel de Barros (dissertação de mestrado, PUC-MG, 1995) e dos livros Visita do fantasma na noite (poesia, 2002), O livro da noite (prosa, 2005) e João Cabral de Melo Neto: o poeta e a voz da modernidade (São Paulo: Editora Scortecci, 2005) e Bichos (poesia, 2005, ed. integralmente ilustrada por NS).
SECRETO
La vida es sólo un secreto.
No hay mucho que aprender.
Nadie necesita aprender
Lo que dice su secreto.
Es sólo un decir menos,
un nada mostrar de ti,
pues en lo que muestras de ti
lo muestras pálido y menos.
[Es sólo un no revelar
el enigma que yace en lo profundo
y nunca alcanzar lo profundo
en el esfuerzo de revelar.]
La vida es materia y secreto
para tu poco saber:
ser o muy bien saber
que hay vida, materia y secreto.
SONETO DE UN DÍA CUALQUIERA
Vagabundo de sol y de sentido,
de ser innecesario buscar más,
porque cualquier camino me ha de llevar
a lo que tengo tramado y planeado
[sin conmoción, sin gemido,
en la perfección exacta de este estar
a la deriva de lo que no llega al mar,
lo que no llega al puerto prometido] -
me basta ser invierno y que haya lluvia
golpeando en el tejado, y el día oscuro
de un ocio como anillo al dedo:
y este no avanzar hacia un final,
que es todo mi dominio y mi …
todo el espanto que espero del futuro.
NO CÍRCULO DE GIZ
No círculo de giz
que você traçou à sua volta
não entram árvores nem chuvas,
não entra a velocidade do pássaro,
não entra um grito,
não entra o entulho.
No círculo de giz
que você traçou à sua volta
não entram as confusões da verdade,
não entra a necessidade do erro,
as cruzes sobre a colina,
a flecha, a bala, a cimitarra,
não entra o tigre com sua astúcia,
não entra o fogo.
Nada penetra na fortaleza de giz
que abre uma clareira na paisagem,
que rouba para si
um naco de paisagem
inexpugnável e vão.
No círculo de giz
você é o senhor absoluto
de todos os assuntos.
OLHO. VEJO.
O que é o mundo? Olho e não vejo.
Quero encontrar na escuridão
a ponta desse fio-ensejo
que me forneça a explicação.
Mas que bobagem! Olho. Vejo.
Tudo o que vejo é para ver:
seja o visível que desejo,
seja o que foge, a se esconder.
Faço a pergunta. E à minha volta
a roda gira sem parar,
trazendo sempre a cada volta
uma pista que hei de ignorar:
um nome, um caco, algum reflexo
que me convém reconstituir,
tentando (em vão) achar o nexo
do que vem porque tem de vir
e se desdobra em cor disjunta
de que não dou a explicação,
me demorando na pergunta
que fui fazer à escuridão.
COTIDIANO
O mar em que me afogo
é cotidiano.
(Correnteza em que desço,
chuva que não revogo –
altura que não alcanço.)
A enchente em que sucumbo
é de todos os dias.
(Águas de cada dia,
tropeços, pedras, nuvens,
ventanias.)
O rio em que me desço.
A escuridão em que não vejo
é cotidiana:
o mar, a enchente, o poço,
o que me acena de longe,
o que me dana –
aquilo que não sei.
(A queda que é só poço.)
O oceano em que naufrago,
o rio em que me afogo,
o vento em que sufoco.
LÁ
Que gastes lá teu ouro, teu minuto,
teu grama de progresso, teu punhado
de futuro – antevisto, calculado,
todo pejado de valor e fruto;
que lá queiras chegar, de olho impoluto,
como quem leva a urgência de um recado,
insone, mas cumprindo algum mandado,
por força do insondável, do absoluto;
que lá passes um dia, um mês, um ano
(quem sabe a vida inteira), convencido
de que encontraste a pista, o portulano,
e de que lá não entras por abuso
e não és, sem estirpe e sem partido,
mais que um indesejável, um intruso.
PERSPECTIVA
Tudo é perspectiva.
Entre as colunas da tarde,
calcinadas de tédio,
entre as paredes brancas
que um sol entediado
recresta do alto –
tudo é dispersão
e tédio igual ao tédio:
pensamentos de areia
escorrendo secos
sobre superfícies secas.
Entre os devassados
esconderijos da tarde
(onde ninguém pode estar seguro,
onde ninguém alcança
proteger-se dos dardos) –
tudo é superfície,
tudo é terreno abrasado,
e paredes, e branco,
e tédio igual ao tédio
entre pensamentos de areia.
Tudo é perspectiva.
TROCO
Perdulário das horas, dos minutos,
do dia que eu não soube decifrar
(eram cinco de março num lugar),
troco por apreensão colheita e frutos:
troco por incerteza ar e momento
e por momento o todo do futuro,
com seu sabor insípido e perjuro
que se gasta num voo do pensamento.
Troco ânimo e agudeza por preguiça
e pelo gosto (ou raiva) de entender
que a alma não cabe nisto, movediça:
e que o olho nada diz ao sol que nasce,
que o esforço adula o horror de não poder
e que todo progresso é pasmo e impasse.
SE EU DESISTIR
Se eu desistir, se eu disser
a mim mesmo que não posso;
se eu não tentar ir mais longe,
ousar mais ou ir mais alto;
se eu só, parado, comigo
me contentar, me bastar
e não pedir ao destino
e não rezar a algum deus,
mas em minha própria casa,
mas em meu próprio castelo
(que não é castelo algum);
se eu não me deixar levar
pela ideia sedutora,
pela ilusão sedutora
do mais amplo e do mais vasto,
pela visão do mais rico;
se eu, mesmo que insatisfeito
e falho de asa e valor,
e neutro de ouro e ambição,
a mim mesmo me disser
que basta não ter chegado,
que basta não ter ousado,
que não ter chegado foi
o mais longe que pude ir,
que não havia mais longe,
que não havia horizonte
e que por isso bastou
ter ido até onde fui
(que sei eu?); se eu me disser
que estar em casa é o bastante,
que me convém não ousar
e que é melhor não ousar,
não ir tão longe, não ser
o que tentou ir tão longe,
que basta apenas ficar,
permanecer, demorar,
que a mim me basta ficar;
se eu me disser a mim mesmo,
se eu não tentar ir mais longe,
se eu não fizer a besteira
de tentar me ultrapassar,
de ir aonde não posso ir,
de ser quem tenta ir mais longe,
de ser quem tenta ir mais alto.
SE ME DESDOBRO
Se me desdobro, vão, na noite escura
dos passos em que – cego – me desdobro,
se após haver tombado me recobro,
recuperando o fogo que em mim dura,
no qual forjo, sem medo ou amargura
(se me disperso em duplo, se me dobro,
se me triplico e, ao fim da conta, sobro),
o ricto-esgar da máscara futura,
caio sempre em mim mesmo, novamente
convertido naquele de que tenho
notícia a cada instante diferente:
e que é como uma treva em que me embrenho
(eu, que da manhã clara não desisto)
e em que não sei quem sou, se sou, se existo.
ATÉ O FIM
Que não.
Que não importa.
Que do modo como está é o bastante –
que ser o bastante não importa:
que durar entre os momentos,
que persistir, que restar
não tem a menor importância.
Que só tem importância compreender
que, sendo este o modo
e sendo este o lugar,
tudo o mais é somenos,
porque tudo o mais é tal qual
e é o que menos importa,
porque à noite se dissipa no sono.
Que não.
Que nunca mais.
Que deste modo ou em qualquer lugar
é sem importância e sem brilho,
e assim será até o fim (com seus abismos,
suas janelas, seus passadiços, seu laços)
e jamais será o bastante,
qualquer que seja o caso ou o desejo,
até o fim.
NO AZUL
Asas no azul – melhor não merecê-las,
melhor não açular tal confusão,
nem desejar a fímbria das estrelas,
nem querer as vertigens da amplidão.
Melhor ficar em casa sem sofrê-las,
longe da mágoa em que redundarão
as angústias exaustas de perdê-las
quando estourar a fúria do tufão.
Asas na luz – melhor não cultivá-las,
nem o prazer senil de cobiçá-las,
havendo sempre inverno após o outono:
e desistir do voo e da afoiteza,
e aniquilar os sonhos de grandeza
num círculo de pasmo, queda e sono.
VOCAÇÃO
Não tenho vocação para o fracasso,
e no entanto eis que tudo me conduz:
eis que tudo me força e incita ao passo,
me leva em direção à inútil cruz.
Não tenho vocação e nada faço
de contrário à verdade que há na luz;
mais eis que o dia vem com seu baraço,
e me arrasta, e me instiga, e me seduz.
Quando tomo a devida providência
(não importa qual seja), precavido,
cioso da diferença e do sentido,
eis que a tarde, eis que a noite, eis que o momento,
eis que um fantasma, um pó que vi no vento,
um deslize, uma simples coincidência.
A RESPOSTA
Eu, que tenho a noção, eu, que compreendo;
eu, que de cada coisa estou seguro
(a não ser de mim mesmo, que me apreendo
num limiar inerte do futuro);
eu, que vou me supondo e me sustendo
como um pássaro cego sobre um muro
e do que não conheço ou não entendo
tiro um saber esplêndido e maduro;
eu – que já não procuro – encontro às vezes
no início do que sou uma resposta
à pergunta que faço em minha aposta:
que não preenche o vazio que a suscita,
mas permanece lá, constante e aflita,
sujeita a mil senões e a mil reveses.
FUGIR O DOIDO
Fugir o doido para longe,
nunca se deixar apreender.
(Encapuzar-se como um monge
sob uma capa de não ser:
sob um disfarce de talvez
que não permita revelar
por sob a cor da imediatez
o que lá está sem nunca estar.)
Fugir o doido para o centro
do seu desaparecimento,
levando consigo o tesouro
do que foi pasmo e mau agouro,
do que a mão jamais segurou,
pois sempre esteve mais além:
irmão do vento que o formou,
irmão da chama que o retém.
MUITO CEDO
É muito cedo
para o que quer que seja:
para sair da cama
ou para abrir a porta.
É muito cedo para aplicar a inteligência
aos inúteis problemas em que a mente patina;
muito cedo para propor o acordo,
para fazer o truque,
para ensaiar o salto.
É muito cedo para começar qualquer coisa,
para amealhar um pecúlio de ideias,
para cavar um poço no escuro,
para cavar uma trincheira no caos
ou para fazer um pacto,
ou para alimentar o cão,
ou para isto e para aquilo.
É muito cedo, infinitamente cedo.
PERPLEXIDADE
Não é a coisa –
é a ideia da coisa
que te estarrece: a coisa
permanece lá, perfeitamente
equilibrada no seu centro.
(Por fora dela circulam os ventos,
a voz, o sonho, a ansiedade do visto,
esse desejo de segurá-la
que te inquieta
e de retê-la entre os teus dedos
por um instante.)
Não é a coisa (o que ela é)
que te deixa estupefato:
é a ideia que fazes dela,
assim de pé
sobre uma curva do teu caminho
ou sobre alguma pedra
que resiste à correnteza do rio.
A coisa – em si mesma –
(um ovo, por exemplo, uma luva, um chapéu)
permanece lá,
perfeitamente equilibrada
e posta para sempre além do toque
e para sempre além da perplexidade.
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