ANTÓNIO BARAHONA
Nasceu em Lisboa, PORTUGAL a 7 de janeiro de 1939. As suas obras exploram preferencialmente os domínios do sonho e do misticismo e revelam, normalmente, uma religiosidade explícita. A paixão pelo sânscrito levou-o ao Oriente para estudar esta língua.
António Barahona escreve como um profeta, e será preciso dar-lhe atenção, pois desde sempre foi em meio à loucura que irrompeu a Palavra mais constitutiva das culturas.O facto de lhe negarmos razão não significa que ele labore nas trevas, significa que ele está no outro lado da nossa rasa racionalidadezinha. Fé não lhe falta e é sincera, mas a fé é uma agitação interior, um tender para e não um stop. António Barahona ama tanto a Cristo,como Muhammad Rashid amou a Allah, dois nomes para o mesmo Desconhecido. É para O encontrar que se senta aos pés de um padre ou de um imã-tala.e continuará, porventura, a sentar-se diante de outros mestres, de outras religiões, enquanto viver. Q que para trás fica, quando se ergue, não é Deus, sim a religião. O que à frente avança, quando a religião desmorona-se, é a Poesia, lugar de assombro em que também é possível procurar Deus, e até encontrá-lo. É aqui a Pátria, é Deus aqui, aqui a Família Gramática. MARIA ESTELA GUEDES
Conferencia de Pájaros en Naga Masjid
Se encontraron a rezar y beber té
con pétalos de rosa flotando en la jícara
y así diseñaron una letra que solo existe
antes del alfabeto y del habla de los hombres
NAUFRÁGIO
Aves mudas
com olhares secretos
para a sede da terra
Na praia
os grãos de areia em moedas
e as ondas
de mãos inquietas
Passos indecisos
na expiação de pedras
atiradas ao mar
De bruços
aos fundos do oceano
eu prisioneiro das redes
no pensamento dos peixes
SIMULACRO DE SUICÍDIO
POR SOBERBA
O mundo era estúpido demais
para a sua inteligência
- assim pensou e permaneceu calado
perante si próprio
pronto para o último acto
Cavou um abismo ao fundo da água,
calculou a distância entre o som e a sombra,
e atirou-se de pé
Doía-lhe o coração a cair de pedra
Lx., 8.XII.99.
NO ANIVERSARIO DA DIVA
Passam por nós os anos, ígneos pássaros
apressados, e caem muitas penas
Passam por nós os anos: são cavalos
nervosos frente aos toiros nas arenas
Mas não envelhecemos sempre esperançados
na juventude eterna que não deixa marcas
Estamos marcados desde que nascemos,
transviados por onde não há estradas:
somente caminhadas sem sair de becos,
miragens de desertos nos confins das ilhas
Passam por nós os anos e só fica
um sulco que se fecha na memória em ferida
COMPOSIÇÃO
Sequer um gesto fica por esboçar
nem hora sem a sua liturgia:
realidade inteira a respirar
Deus, por todos os poros, à porfia.
Só então o poeta bebe a bica
e, discreto, compõe versos à lupa.
A GRANDE OBRA
Frondoso espírito de tantas páginas.
Estas partículas de lume pegam
fogo à água, e o símbolo assume
seu aspecto de som em labaredas.
PULSAÇÃO
Perene é ser soneto: eis do futuro,
essa canção com oitocentos anos:
sábios, mil sons ecoam bons sopranos,
no timbre d’árias tensas de ouro puro.
Catorze versos a fundir degraus
(ligas de cobre e prata e elixir)
refeitos pra durar até que expire
seu último cantor, à flor do caos.
Perene é ser soneto, que reside
na cópia à rasa essencial do verbo:
tal como a roda, o cubo e o triângulo,
vem inscrito no código soberbo
de quem tece um casulo e sente livre
o sôpro do seu sangue num coágulo.
LARGO DO BARÃO DE QUINTELA
A estátua da verdade está sempre de braços partidos
cada vez que vou a caminho dos teus braços inteiros
ARTE POÉTICA
Por cada verso feito quantas noites
desfeitas e mulheres transfiguradas,
madrugadas, cidades, auto-estradas,
montes de cartas, mortos e ausentes.
Por cada verso feito me despeço
dêste mundo, em pedaços repartido,
pois só consigo reunir-me quando fundo
império de poema nunca escrito.
CADÁVER ESQUISITO HETERODOXO
COM JOÃO RODRIGUES NO CAFÉ GELO EM 1961
Intimidade côr de bombazina
a cercar uma aranha de bambú
passa um polícia a cheirar a benzina
parte-se uma vidraça e surges tu
Sobrenadavam carpas na baía
um novo ritmo que vem de Las Vegas
daquele lado já nada se ouvia
quadrilha de gaivotas quase cegas
Por dentro era o som dum violino
por fora havia um vago marulhar
menos que nunca penso no destino
e bebo a tua sombra devagar.
[in O Som do Sôpro, Poesia Incompleta, 2011]
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